quarta-feira, 31 de dezembro de 2003

O processo Casa Pia e a Comunicação Social



Jurista de bancada

Com ou sem razão (aguardemos pelos próximos episódios), o Ministério Público deu ontem a estocada final no já agonizante Partido Socialista.
Nesta fase do campeonato, a opinião pública já pouco estranharia a notícia do alegado envolvimento de António Guterres, Mário Soares ou António Vitorino neste caso sórdido.
Convém, portanto, ter presente que a lama que foi atirada pela comunicação social para cima do secretário-geral e de um membro da Comissão Política (e putativo candidato presidencial) nunca será completamente limpa ainda que venha a ser provada a sua inocência.
Por outro lado, se os factos apurados pelo Ministério Público se revelarem verdadeiros, será reconfortante saber que a Justiça foi cega no que respeita ao prestígio/poder/estatuto das personalidades envolvidas.
Em suma, para além da culpa dos arguidos, este julgamento vai servir para avaliar o funcionamento do Ministério Público - que tem vindo a ser duramente criticado pelos vários agentes da Justiça.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2003

É inevitável

... escrever até quarta-feira algum título que comece com "O melhor"/"O pior" e acabe com "de 2003"?
A avaliar pelos ilustres vizinhos de blogosfera deve ser missão quase impossível, mas o HHT tentará resistir.

Nem 8 nem 80

Ferro tem seguido à risca a máxima napoleónica de "nunca interromper o inimigo enquanto este estiver a cometer um erro", mas começa a aproximar-se perigosamente do exagero...
Com as perspectivas sombrias que o Governo apresentou para 2004, exige-se ao principal líder da Oposição mais algum dinamismo na denúncia de tamanha incompetência.
O próprio Napoleão teria feito o mesmo.

Será por isto a blogosfera?

"Escrevemos porque ninguém nos ouve."
(Georges Perros)

Máquinas

O novo estádio municipal de Braga é, indiscutivelmente, uma admirável obra de engenharia. É também certo que foi o que representou o maior custo por cadeira.
Mas para além de um e de outro aspecto, ao olhar para a obra, algo me recorda, por antítese, Le Corbusier.
Este afirmava que "uma casa é uma máquina de morar". Seguindo o mesmo raciocínio, "um estádio é uma máquina de jogar e de ver jogar". Assim sendo, aquelas duas superiores graníticas, sem bancadas, são esteticamente agradáveis mas não cumprem definitivamente a função da obra.

domingo, 28 de dezembro de 2003

(In)dependências

O fosso entre a opinião pública e a opinião publicada cresceu, indesejavelmente, em 2003.
Ninguém acredita que o país se identifica maioritariamente com as omnipresentes opiniões de Rebelos, Pachecos, Santanas e Delgados. A vitória tangencial da direita nas últimas eleições legislativas foi ampliada de forma violentíssima no realinhamento ideológico da comunicação social, provocando um divórcio incontornável entre a opinião pública e a opinião publicada.

sábado, 27 de dezembro de 2003

Prémio "Vão começar pelos azulejos ou pelos móveis?"

"Queremos levar o balneário das Antas para o Dragão."
(Jorge Costa, "O Jogo")

Como se passa uma esponja sobre o futuro?

Sinto-me sempre perdido com os "momentos em contra-ciclo".
Momentos em que se é feliz por quase nada quando se perdeu quase tudo.

O paradoxo da passagem de ano 2003-2004

O riso e o choro...

Nunca como este ano houve tantos motivos para festejar a despedida do ano que finda.
Nunca como este ano houve tantos motivos para lamentar o ano que começa.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2003

O Porto é só...

O Porto é só uma certa maneira de me refugiar na tarde,
forrar-me de silêncio
e procurar trazer à tona algumas palavras
sem outro fito
que não seja o de opor ao corpo espesso destes muros
a insurreição do olhar.

O Porto é só esta atenção empenhada
em escutar os passos dos velhos
que a certas horas atravessam a rua
para passarem os dias no café em frente
os olhos vazios,
as lágrimas das crianças de S. Vítor
correndo nos sulcos da sua melancolia.

O Porto é só a pequena praça
onde há tantos anos aprendo metodicamente
a ser árvore
procurando assim parecer-me com a terra obscura
do meu próprio rosto.

Desentendido de ansiedade
olho na palma da mão
os resíduos da juventude
e dessa paixão sem regra
deixarei aqui uma pétala
pois aqui por ser tão branca.

(Eugénio de Andrade)


Este era o poema que faltava num blogue com paternidade Portuense. Agora que está definido o espaço afectivo que enforma estas linhas, parto para a ceia de Natal com a certeza de já ter aberto um presente.

He Wishes for the Cloths of Heaven

Had I the heavens' embroidered cloths,
Enwrought with golden and silver light,
The blue and the dim and the dark cloths
Of night and light and the half-light,
I would spread the cloths under your feet:
But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams.

(William B. Yeats)

terça-feira, 23 de dezembro de 2003

O Fundo

Insólitos prognósticos do Governo para 2004. A economia afinal só descolará em 2005 (se tudo correr bem) e o próximo ano assistirá ao aumento do número de desempregados...
Após meses intermináveis a afirmar que o País batera no fundo após a governação socialista, eis que se anuncia o impensável!
Afinal escavou-se mais um bocadinho o fundo da crise e este passou a estar a uma cota ainda mais baixa.
Barroso imita Júlio Verne e tenta a "Viagem ao Centro da Terra".

Never Give All The Heart

Never give all the heart, for love
Will hardly seem worth thinking of
To passionate women if it seem
Certain, and they never dream
That it fades out from kiss to kiss;
For everything that's lovely is
But a brief, dreamy. Kind delight.
O never give the heart outright,
For they, for all smooth lips can say,
Have given their hearts up to the play.
And who could play it well enough
If deaf and dumb and blind with love?
He that made this knows all the cost,
For he gave all his heart and lost.

(William B. Yeats, "In the Seven Woods")


terça-feira, 16 de dezembro de 2003

Prémio "As potencialidades dos polímeros"

Na sua visita-relâmpago a Bagdade, o presidente Bush ofereceu uma generosa bandeja de perú aos seus homens. A ave, afinal, era de plástico.

Apanharam-no mesmo?

O homem das barbas que em meados de Dezembro fez a capa de quase todos os jornais do mundo não é, ao que tudo indica, o Pai Natal.
Cientistas americanos, com base em testes de ADN, afirmam tratar-se de Saddam Hussein. É contudo desejável que esses testes não tenham sido efectuados pelos mesmos cientistas que tinham provas da existência de armas de destruição maciça no Iraque... Nesse caso, poder-se-á tratar realmente do Pai Natal!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2003

É inegável

A política nos Açores anda a reboque da política no continente. Até na pedofilia!

terça-feira, 9 de dezembro de 2003

Prémio “A vantagem de ter um presidente ex-KGB”

O partido de Putin, “Rússia Unida”, assegura a maioria na Duma sob um clima de fortes suspeitas de fraude eleitoral.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2003

Papel usado: não recicle, reutilize!

Numa fase de acesa polémica sobre o destino da PORTUCEL, esta nova engenhoca pode vir a distorcer algumas das contas que foram feitas sobre o futuro do sector.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2003

"German cannibal says victim was willing"

Ora aqui está uma linha argumentativa que a defesa ainda não explorou no Processo da Casa Pia. Seria algo do género:
"Meretíssimo Juiz, o meu constituinte afirma convictamente e sob palavra de honra que todas as vítimas de pedofilia, sem excepção, pediram para ser violadas."

"Hans Eichel aponta Portugal como exemplo a não seguir"

Aposto que a Ministra das Finanças nem queria acreditar nos seus olhos quando leu esta notícia. Até tu "Brutus"?

Maquiavel escreve sobre... O ENQUADRAMENTO POLÍTICO DE PAULO PORTAS NO EXECUTIVO BARROSISTA

(...) para que um príncipe possa conhecer o ministro, há um meio que nunca falha. Quando o príncipe veja que o ministro pensa mais em si do que nele, e que em todas as acções procura a utilidade própria, verificará assim que nunca será bom ministro e que nunca se poderá fiar nele. (...) E, por outro lado, o príncipe, para o conservar bom, deve pensar no ministro, honrá-lo, enriquecê-lo, torná-lo obrigado, dando-lhe participação nas honras e nos cargos, a fim de que veja que não pode passar sem ele, príncipe, e que as muitas honrarias façam que não deseje mais riquezas, e que os muitos cargos lhe façam temer quaisquer mudanças. Quando então os ministros, e os príncipes por relação aos ministros, são assim constituídos, podem confiar um no outro; e quando as coisas se passam diversamente, sempre o fim será danoso ou para um ou para outro.
(Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”)

Maquiavel escreve sobre... AS OBSESSÕES PESSOAIS DE PEDRO SANTANA LOPES

Nada traz tanta estima a um príncipe, como as grandes empresas e o dar de si exemplos raros no que respeita ao governo das coisas internas (...) quando a ocasião se lhe depare na vida civil de que cometa algum acto extraordinário no bem ou no mal; e ajuda adoptar uma forma de premiar ou punir de que bastante se tenha de falar. E sobretudo deve um príncipe esforçar-se por adquirir em todas as suas acções, fama de homem grande e excelente. (...) Deve, ainda, mostrar-se um príncipe amador das virtudes, e honrar os que primam numa arte. (...) Deve, além disso, nas fases convenientes do ano, manter ocupados os povos com festas e espectáculos. E porque toda a cidade está dividida em corporações ou em classes, deve ter em conta essas comunidades, reunir-se com elas alguma vez, dar de si exemplos de humanidade e munificência, conservando sempre firme, não obstante, a majestade da sua dignidade, porque isto não deve faltar em coisa alguma.
(Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”)

sexta-feira, 28 de novembro de 2003

America's Cup

Quando soube da vitória de Valência fiquei triste. Pela nossa derrota, bem entendido. A vitória deles foi, por certo, merecida e realmente fundamentada.
Mas passou-me rapidamente a tristeza quando soube que Santana Lopes, afinal, se sentia aliviado com a decisão e que tinha menos uma dor de cabeça!
Se PSL, que é o presidente da Câmara de Lisboa, diz que se sente melhor com este veredicto, quem julgo eu que sou para achar que a decisão não foi boa para nós?

Ainda sobre o "penetra" do jantar iraquiano

Bush afirmou que a América tem os olhos postos naqueles homens, mas esqueceu-se de um detalhe.
Alguns do que assistiram ao seu discurso não voltarão a pôr os olhos na América.

Adivinha quem vem jantar

A aparição de Bush em Bagdade foi tão inesperada que os comentadores, apanhados desprevenidos, ainda hesitam entre a atribuição do rótulo de herói ou de palhaço. A mesma dúvida deve ter tido o departamento de marketing da Casa Branca quando começou a pensar nesta poção para inverter a tendência de queda imparável nas sondagens.
Mas o importante é que a moral das tropas foi galvanizada pela visita. Até quando? Até hoje ou amanhã, quando for assassinado mais um "proud american soldier".

quarta-feira, 26 de novembro de 2003

Falta menos de meia hora

A decisão sobre o local de realização da America's Cup está a 30 minutos e alguns milhares de quilómetros de distância. Depois da histeria repartida entre as candidaturas de Lisboa e Valência, tinha alguma piada ver Marselha ou Nápoles a vencer. De qualquer forma, segundo alguns cronistas lusos, a vitória de qualquer outra cidade que não seja Lisboa, ficar-se-ia sempre a dever aos protestos dos pescadores. É este o "saber perder" dos portugueses: ou partimos o balneário ou culpamos os pescadores! Por estes últimos, espero mesmo que Lisboa ganhe e que assim fujam ao rótulo anti-patriótico.

terça-feira, 25 de novembro de 2003

A confirmação

The head of the US Central Command, General John Abizaid, said America's military presence "will no longer be needed" once the future Iraqi government can guarantee the country's security. (AFP)
Para quem tinha dúvidas, aqui está a prova que faltava. Os militares dos EUA nunca abandonarão o Iraque!

segunda-feira, 24 de novembro de 2003

Sharon recebe Fini

Estas aFinidades já não me surpreendem, mas confesso que esperava mais do proverbial talento negocial semita. De facto, abraçar um neo-fascista admirador de Mussolini (que, como é sabido, não morria de amores pelos judeus) em troca do apoio italiano na construção do muro representa, no mínimo, um mau negócio.

Maquiavel escreve sobre... A UTILIDADE DO PARLAMENTO

(...) nos reinos bem ordenados e governados (...) encontra-se uma infinidade de boas constituições, de que dependem a liberdade e segurança do rei; a primeira das quais é o Parlamento e a sua autoridade. Porque aquele que ordenou esse reino, conhecendo a ambição e a insolência dos poderosos, e julgando ser necessário pôr-lhes na boca um freio que os corrigise, e conhecendo, por outro lado, o ódio do povo contra os grandes, ódio nascido do medo, e desejando protegê-los, não quis que isso constituísse cuidado particular do rei, para evitar a este a animosidade que lhe adviria dos nobres quando favorecese os populares, e dos populares quando favorecesse os nobres; e assim, constituiu um terceiro juiz que, sem ser o rei, refreasse os grandes e favorecesse os pequenos. (...) devem os príncipes cometer aos outros as questões melindrosas, reservando para si mesmos as graciosas. De novo concluo que deve um príncipe estimar os grandes, mas não se fazer odiar do povo. (Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”)

sexta-feira, 21 de novembro de 2003

O esplendor da estupidez humana

The jury deliberating whether convicted U.S. sniper John Muhammad should live or die in connection with a fatal string of shootings (...) broke off discussions. It was not immediately known whether jurors were ready to offer a decision on whether Muhammad should be sentenced to death or life in prison without parole for two capital murder counts.(Reuters)

Só me faltava um filósofo

Ia eu descansado para fim-de-semana, quando esbarro com a página deste senhor. Reconheço-lhe a faculdade rara de estar presente em todos os fóruns de discussão auto-sustentada. Faz a festa, atira os foguetes e apanha as canas. É um artista português.

Maquiavel escreve sobre... O PROCESSO DA CASA PIA

(...) estes príncipes ou comandam por si mesmos, ou por meio de magistrados. No último caso, é a sua situação mais débil e mais perigosa, porque dependem em tudo da vontade daqueles cidadãos que foram propostos para a magistratura, os quais, mormente nos tempos adversos, podem, com grande facilidade roubar-lhes o Estado.(Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”)

quinta-feira, 20 de novembro de 2003

Excesso de tempo livre?

A Universidade de Oxford investigou cientificamente o desporto mais estúpido do mundo. A Scientific American apresenta em primeira página as principais conclusões extraídas do artigo publicado na Nature sobre a ciência do "home run". Ninguém arranja uma consola de jogos para entreter estes investigadores? O interesse social da ocupação seria equivalente e os custos incomparavelmente menores.

quarta-feira, 19 de novembro de 2003

Maquiavel escreve sobre... O AUMENTO DAS PROPINAS

(...) não há coisa mais difícil de tratar, nem mais duvidosa de lograr, nem mais arriscada de manejar do que tentar alguém introduzir reformas. Porquanto o introdutor tem inimigos em todos aqueles que beneficiavam do antigo estado de coisas, e mornos defensores naqueles que aproveitam com as novas disposições, (...) em parte pelo medo que sentem pelos adversários, que têm as leis do seu lado, em parte pela incredulidade dos homens, que não acreditam em novidades e precisam da confirmação feita por uma experiência segura. Do que resulta que cada vez que os inimigos do novo estado de coisas têm ocasião para o combater, o fazem apaixonada e violentamente, e que os partidários desse estado se defendem frouxamente, de modo que, junto com eles, fica o príncipe em risco. (Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”)

terça-feira, 18 de novembro de 2003

Maquiavel escreve sobre... BUSH E O IMPERIALISMO NORTE-AMERICANO

Não se pode dizer valor o matar os seus concidadãos, atraiçoar os amigos, não guardar a palavra dada, a piedade ou a religião; rasgos que podem fazer que se ganhe o império, mas não a glória.
(Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”)

segunda-feira, 17 de novembro de 2003

Eu estive aqui

Em busca de vestígios da protoblogosfera, encontro na memória “post’s analógicos” afixados em paredes de monumentos, em bancos de autocarro, em casas de banho públicas. Tipicamente consistiam em algo não muito longe da fórmula “António esteve aqui”, seguida da data da efeméride. Não poucas vezes encontrava-se também a variação regionalista dessa mesma fórmula: “Celorico da Beira esteve aqui”. Umas e outras despareceram quase completamente da paisagem urbana, agora ocupada por grafitos indecifráveis. Estes últimos confirmam a manutenção da necessidade de utilizar esta forma de comunicação pública, ficando por conhecer as causas para a modificação do conteúdo. Quais são as hipotéticas explicações?
  • O “António“ viaja muito mais do que em 1985 e não tem paciência para assinalar a sua passagem por tantas terras;
  • O “António” tem um blogue onde vai divulgando os seus destinos;
  • Fruto da maior maior mobilidade dos tempos modernos, o “António” já não se deslumbra de cada vez que sai de Celorico da Beira;
  • O “António” já não vive em Celorico da Beira e por este motivo não faz para ele sentido escrever o nome de uma terra com a qual já não se identifica;
  • O “António” tornou-se “grafiteiro” e continua a deixar a sua marca pelas terras que visita, sob a forma de um “tag”;
  • Findo o serviço militar, o "António" não voltou a fazer a infindável viagem semanal entre Celorico e Mafra, durante a qual se entretinha a escrever os seus "post's analógicos".
  • Onde estás, "António"?

    Maquiavel escreve sobre... AS CAUSAS DA ASCENÇÃO E QUEDA GUTERRISTA

    Não é (...) necessário a um príncipe possuir todas as (...) qualidades, sim que lhe é necessário parecer possuí-las. Assim, ousarei dizer isto de que, tendo-as e observando-as sempre, são danosas, e, parecendo tê-las, são úteis: como é bom parecer piedoso, fiel, humano, íntegro, religioso, e sê-lo; mas guardar tal disposição de ânimo que, necessitando não o ser, possa e saiba o príncipe desempenhar o contrário. E assim, é preciso que tenha um ânimo disposto a volver-se conforme os ventos e as variações da fortuna lhe ordenem, e que (...) não saia do bem, podendo, mas saiba entrar no mal, necessitando. Deve então (...) ter o maior cuidado de que nunca lhe saia da boca uma coisa que não esteja cheia das supraescritas cinco qualidades, e de que pareça, a quem o veja e ouça, todo piedade, todo fé, todo integridade, todo religião. E não há coisa mais necessária de parecer ter que esta última qualidade.
    (Nicolau Maquiavel, “O Príncipe”)

    Resposta à TSF

    Ainda inconformado com a morte prematura do programa “Freud e Maquiavel”, aproveito o ensejo para introduzir neste blogue uma nova rubrica. Chamar-se á “Maquiavel escreve sobre...” e consistirá na transcrição de excertos da obra maior de Nicolau Maquiavel - “O Príncipe” - seleccionados em função de temas actuais. Pretende-se demonstrar que o essencial do poder no séc. XXI está aprioristicamente enquadrado pelos escritos do filósofo político do Renascimento.

    quarta-feira, 12 de novembro de 2003

    Inscrição

    Quando eu morrer voltarei para buscar / Os instantes que não vivi junto do mar. (Sophia de Mello Breyner Andresen)

    A TSF mudou

    ... e ouvintes assíduos como eu fazem o maior contorcionismo mental para tentar perceber o motivo. "Em equipa que ganha não se mexe", lá dizem os catedráticos do pontapé na bola e com alguma razão. E a TSF fartava-se de ganhar. De imediato, só noto três diferenças substanciais, e todas de sentido negativo. Acabou o "Freud e Maquiavel", acabou o "Flashback" e estabeleceu-se um novo critério de selecção musical (original, reconheça-se) que consiste precisamente na total ausência de critério. A TSF mudou, mas que bom seria se não tivesse mudado.

    segunda-feira, 10 de novembro de 2003

    Universidade de Coimbra fechada a cadeado e autocarro!

    Apesar de mais uma ilegalidade, os estudantes não perderam a razão nesta luta - pelo simples motivo de que nunca a tiveram.

    terça-feira, 4 de novembro de 2003

    DdP

  • RATITE - adj Designativo da ave, também dita corredora, com esterno raso (sem quilha), asas mais ou menos atrofiadas e membros inferiores compridos e robustos; nf pl grupo de aves com as características referidas anteriormente, denominado correntemente aves corredoras.

  • EXINANIR - vtr Tornar vazio; evacuar; despejar; aniquilar; reduzir a nada; refl debilitar-se por falta de alimentos ou por evacuações sucessivas; abster-se muito.

  • segunda-feira, 3 de novembro de 2003

    Variações judiciais sobre o "Fim"

    Quando eu for preso batam em latas
    Rompam aos saltos e aos pinotes
    Façam estalar no ar chicotes,
    Chamem palhaços e acrobatas!

    Que o meu advogado vá sobre um burro
    Ajaezado à andaluza...
    A um preso nada se recusa
    E eu quero por força que ele vá de burro!
    (Portuense adaptando à novela judicial o poema "Fim" de Mário de Sá-Carneiro)

    sexta-feira, 31 de outubro de 2003

    Somos pequenos...

    ... Esta constatação estritamente geográfica não implica qualquer juízo sobre o valor do país em que escolhemos viver (mas onde não escolhemos nascer). Somos pequenos, ponto final. Nem bons nem maus, só pequenos. Mas é um aborrecimento sermos sempre pequenos e sermos pequenos em tudo. Há dois dias que se anunciam tempestades inauditas e, até ao momento, o "cortejo de horrores" resume-se a um telhado que caiu em Gondomar e a meia dúzia de árvores derrubadas aqui e ali. Os americanos (Avé César!) são, ao contrário de nós, quase sempre grandes e quase sempre grandes em tudo. Quando se fala num tufão, num incêndio ou numa explosão de gás, são varridas pelo menos cinco cidades de média dimensão, ardem áreas do tamanho de vários países pequenos e desaparecem quarteirões inteiros.

    Há ofertas que valem 1000 palavras

    Pediu-me desculpa pelo atraso em relação à data do meu aniversário e passou-me a garrafa para as mãos como se de um ritual religiosos se tratasse. "Reguengos 1990 - Garrafeira dos Sócios". Ofertas destas dizem muito mais sobre quem dá do que sobre quem recebe. Tentarei estar à altura desta delicadeza, apreciando o precioso néctar com os sentidos em estado de alerta máximo.

    quinta-feira, 30 de outubro de 2003

    Vida antes da morte

    "Será que há vida antes da morte?" A ideia assaltou-me (à mão desarmada) enquanto assitia a uma peça de teatro - cómico, segundo os cartazes à entrada - cujo leitmotiv era exactamente este. Quando foi apresentada esta "dúvida existencial", logo no início da representação, a plateia riu. Mas por pouco tempo. Estou em crer que, se a peça fosse apresentada como "trágica", a plateia teria reagido às mesmas palavras com um silêncio sepulcral. Eu continuo à procura de um motivo para rir da pergunta...

    Entre pedras, palavras...

    Que estupidez o sangue nas calçadas!
    O sangue fez-se para ter dois olhos,
    um lépido pé, um braço agente,
    uma industriosa mão tocante.
    Que estupidez o sangue entre as palavras!
    O sangue fez-se para outras flores
    menos fáceis de dizer que estas
    agora derramadas.


    (Alexandre O'Neill, Poesias Completas)

    DdP

  • BILTRE - nm Patife; homem vil; infame.

  • SACRIFICANTE - adj e nm/f Sacrificador; o que celebra a missa.

  • ESTULTO, adj e nm Néscio; tolo; parvo; insensato.

  • ÓBOLO, nm Pequena moeda grega; (fig.) pequeno donativo ou esmola.


  • Afinal está vivo!

    Theias falou e, pasme-se, até falou bem. As áreas de reserva sob tutela do ICN só podem gravitar na esfera de competências do Ministério do Ambiente. Qualquer alternativa é inadmissível.

    quarta-feira, 29 de outubro de 2003

    Afinidades

    Por vezes acontecem destas coisas. Enquanto passeamos distraidamente pela blogosfera, tropeçamos em algo completamente fantástico. Aqui está o que eu teria escrito, se para tanto houvesse talento, quando vivi longe do torrão natal.

    Para o Ferro, com amizade

    "Vem por aqui" – dizem-me alguns com olhos doces,
    Estendendo-me os braços, e seguros
    De que seria bom que eu os ouvisse
    Quando me dizem: "vem por aqui!"
    Eu olho-os com olhos lassos,
    (Há nos meus olhos ironias e cansaços)
    E cruzo os braços,
    E nunca vou por ali...

    A minha glória é esta:
    Criar desumanidade!
    Não acompanhar ninguém.
    – Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
    Com que rasguei o ventre a minha Mãe.

    Não, não vou por aí! Só vou por onde
    Me levam meus próprios passos...

    Se ao que busco saber nenhum de vós responde,
    Porque me repetis: "Vem por aqui"?
    Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
    Redemoinhar aos ventos,
    Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
    A ir por aí...

    Se vim ao mundo, foi
    Só para desflorar florestas virgens,
    E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
    O mais que faço não vale nada.

    Como, pois, sereis vós
    Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
    Para eu derrubar os meus obstáculos?
    Corre nas vossas veias sangue velho dos avós.
    E vós amais o que é fácil!
    Eu amo o Longe e a Miragem,
    Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

    Ide! Tendes estradas,
    Tendes jardins, tendes canteiros,
    Tendes pátrias, tendes tectos,
    E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios.
    Eu tenho a minha Loucura!
    Levanto-a como um facho, a arder na noite escura,
    E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

    Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém.
    Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
    Mas eu, que nunca principio nem acabo,
    Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

    Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
    Ninguém me peça definições!
    Ninguém me diga: "vem por aqui"!
    A minha vida é um vendaval que se soltou.
    É uma onda que se alevantou.
    É um átomo a mais que se animou...
    Não sei por onde vou,
    Não sei para onde vou,
    Sei que não vou por aí!


    (José Régio, "Poemas de Deus e do Diabo")

    Bernardo Soares, o primeiro (e até hoje o melhor) blogger português!

    Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora. Continuamente sinto que fui outro, que senti outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espectáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu.
    Encontro às vezes, na confusão vulgar das minhas gavetas literárias, papéis escritos por mim há dez anos, há quinze anos, há mais anos talvez. E muitos deles me parecem de um estranho; desreconheço-me neles. Houve quem os escrevesse, e fui eu. Senti-os eu, mas foi como em outra vida, de que houvesse agora despertado como de um sono alheio. (Bernardo Soares, "O Livro do Desassossego")

    terça-feira, 28 de outubro de 2003

    DdP

  • LÁTEGO - nm Açoite de couro ou de correia entrançada; azorrague; (fig.) castigo; flagelo; estímulo; nome de um peixe frequente nas águas portuguesas, também conhecido por bodião.
  • AZORRAGAR - vtr Açoitar com azorrague; (fig.) incitar; estimular.
  • Dicionário do Portuense (DdP)

    Com a devida vénia ao A Natureza do Mal, também aqui se introduz a partir de agora uma rubrica cultural (DdP), numa tentativa desesperada para elevar o nível deste blogue. Sem periodicidade definida, serão escolhidas palavras - e respectivos significados - que, por um motivo ou por outro, me despertaram curiosidade. Só isto.

    segunda-feira, 27 de outubro de 2003

    A cruz de Wojtyla

    É cada vez mais penoso assistir ao calvário do sucessor de Pedro. Numa época de glorificação da juventude, da eficácia e da produtividade, somos confrontados quase diariamente com o destino de um homem - e, por essa via, com o nosso próprio destino - que escolheu carregar a sua cruz até ao final da caminhada. Este sacrifício é um testemunho de fé e de coragem mas, sobretudo, um apelo às nossas consciências. E que deverá ter uma expressão quotidiana. Não é aceitável a hierarquia de valores que a sociedade hodierna nos impõe e é essa a mensagem mais importante a extrair das violentas imagens deste homem que caminha, em público, para o final da sua vida. A sua postura frágil e curvada só se explica perante Deus. Entre os homens, Wojtyla nunca caminhou com tanta dignidade.

    Já passou um ano

    Um ano após a entrada no Palácio do Planalto, Lula da Silva conseguiu congregar em torno do seu projecto a maioria da população brasileira. A mobilização é notória e os índices de risco do investimento cairam para mínimos históricos, o que reflecte a confiança das instituições internacionais no executivo PT.
    Apesar de o crescimento de 1% do PIB ficar aquém dos prometidos 4 a 7%, as perspectivas para o futuro próximo são positivas e essa meta parece perfeitamente alcançável já no próximo ano.
    Esta lufada de esperança é importante para o Brasil, mas é também um incontestável factor de motivação para a América Latina. Encurralados entre a prepotência neocolonial dos EUA e as lideranças democraticamente deficitárias (quando não se conjugam ambos), os países da região podem aprender muito com a pedagogia do exemplo brasileiro.

    sexta-feira, 24 de outubro de 2003

    Chegou esta manhã

    O frio veio timidamente visitar a cidade que acorda. Podes entrar, já estávamos à tua espera.

    quarta-feira, 22 de outubro de 2003

    Novelas

    Muito por culpa própria, o PS está refém do desfecho imprevisível de uma novela judicial. Até lá, os discursos são erráticos, a postura é comprometida e a autoridade moral é frágil.
    Triste destino para o maior partido da oposição. Entretanto, o Bloco de Esquerda continua a liderar a oposição parlamentar...

    Alguém liga ao que ele disse?

    O Presidente falou e a nação ouviu.
    O seu discurso mereceu o aplauso e a concordância de todos os partidos políticos.
    Ainda assim, alguém acredita que alguma coisa vá mudar (para melhor) no que diz respeito às fugas cirúrgicas de informação enquanto forma sistemática e politicamente orientada de violação do segredo de justiça?

    segunda-feira, 20 de outubro de 2003

    O teste do algodão

    João Soares tem na reunião da Comissão Política da próxima quinta-feira a oportunidade ideal para mostrar (ou não!) o seu carácter.
    Os acontecimentos da última semana fragilizaram o secretário-geral socialista e devem constituir um forte motivo para que os "submarinos" do PS (que têm andado activos como nunca) subam à superfície e apresentem alternativas.
    Se assim não fizerem, o país e o partido ficam a conhecer a fraca estirpe dos candidatos que se irão perfilar à sucessão.
    Nesse dia - quando o risco de perder for demasiado pequeno e quando já estiver concluído o trabalho prévio de desacreditação do líder - surgirão com estratégias brilhantes e inovadoras...

    sexta-feira, 17 de outubro de 2003

    Dúvida e medo

    As recentes intervenções de Ana Gomes intrigam-me profundamente...
    Tratar-se-á da antiga embaixadora de Portugal na Indonésia ou de alguém completamente diverso?

    Lei da Oferta e da Procura - a questão brigantina

    Num só pulo, Bragança deixa definitivamente o anonimato das pequenas cidades do interior português e entra pelo olhos de toda uma Europa que lê a "Time".
    O mercado brigantino da prostituição tem funcionado, até aqui, de forma satisfatória, havendo um equilíbrio entre a oferta e a procura que permite uma política de preços ajustada ao poder aquisitivo dos clientes destes serviços (maioritariamente homens residentes na cidade).
    Acontece, porém, que a operação de marketing lançada pela "Time" peca por excesso e apregoa uma oferta em quantidades que em nada têm paralelo com a realidade da cidade.
    As hordas de turistas sexuais que irão começar a afluir a Bragança demandando os serviços que viram publicitados na revista vão desequilibrar o mercado, provocando uma inevitável subida dos preços que, em última análise, irá prejudicar os clientes nacionais com menor poder aquisitivo.
    Claro que a economia da região sofrerá um impacto positivo em sectores ligados à restauração, hotelaria e transportes, mas a líbido dos homens de Bragança pagará um preço elevado por tal benefício na economia local.

    Mas afinal... quem é que devia pagar por eles?

    Os estudantes teimam em manifestar um profundo descontentamento por serem obrigados a contribuir financeiramente para o aumento da qualidade do seu próprio ensino. Até agora, só conseguiram criar anticorpos na restante sociedade - que também não está disposta a pagar por eles!

    quarta-feira, 15 de outubro de 2003

    Trilogia "Provérbios da minha infância"

    A trilogia "Provérbios da minha infância" pode ser comparada diariamente com os "case studies", comentários e enquadramentos conceptuais do caso "Casa Pia".

    terça-feira, 14 de outubro de 2003

    A cidade adiada

    Sobrevivente na cidade adiada, o Portuense passeia o seu desencanto pelas estreitas avenidas de um destino por cumprir.

    quinta-feira, 9 de outubro de 2003

    Estudantes na rua

    A vaga de manifestações estudantis ameaça tornar-se insuportável.
    A opinião pública já se foi acostumando à sazonalidade desta erupções contestatárias orquestradas pelos dirigentes associativos. Confrontados com a sua própria incapacidade em assumir o estatuto de interlocutores idóneos junto dos órgãos directivos universitários e do Ministério da tutela, remetem-se ao papel fácil - mas incoerente - da contestação gratuita a toda e qualquer medida previsivelmente impopular entre as suas hostes.
    O crescente alheamento da comunidade estudantil em matérias de política, cultura e até educação (no sentido mais abrangente) em muito contribui para o actual panorama do dirigismo estudantil português.
    Encurralados entre as directrizes revolucionárias (sem causa) de uma JCP e o conformismo comprometido de uma JSD, vão medrando jovens líderes que, uma vez eleitos pelos seus pares, são guiados pelo propósito único da sobrevivência no poder fátuo das estruturas estudantis.
    Este marasmo de ideias e de estratégias é agitado pelas mediáticas manifestações que mais não fazem do que mostrar à sociedade uma classe universitária desorientada, com sede de protagonismo e confrontada com uma confrangedora falta de orientação estratégica.
    Estas “provas de vida” das direcções associativas já há muito deixaram de ser ridículas. Continuam patéticas, mas inspiram cada vez mais o choro e menos o riso.

    A moral segundo Bill Gates

    A decisão de fechar as salas de “chat” de acesso livre por parte da Microsoft é, no mínimo, despropositada. O argumento de que esta facilidade seria utilizada por pedófilos que aí procederiam a actos ilícitos - nomeadamente ao aliciamento de potenciais vítimas - não resiste a qualquer análise lúcida.
    Seguindo a mesma linha de raciocínio dever-se-iam suspender os instrumentos de comunicações móveis que são reconhecidamente utilizados de forma continuada por traficantes de droga, pedófilos, assaltantes e toda a espécie de malfeitores. De seguida, seriam proibidos os automóveis (não consta que os pedófilos que actuam no Parque Eduardo VII aí se desloquem a pé) e por aí fora…

    sexta-feira, 3 de outubro de 2003

    Revisionismo histórico

    A recente inauguração do busto de Adelino Amaro da Costa no jardim do Palácio de Cristal é uma acto duplamente lamentável.
    Em primeiro lugar, contraria a vontade dos cidadãos do Porto que, maioritariamente, não se revêem nesta iniciativa voluntarista e inoportuna de Rui Rio. Em segundo lugar, a homenagem está inserida numa inaceitável operação de revisionismo histórico orquestrada pelo actual líder do CDS-PP que é, a todos os níveis, ofensiva da memória e do património humano do partido a que preside.
    A patética, mas nada inocente, colagem a Adelino Amaro da Costa surge na linha de outras comparações do ministro de Estado e da Defesa com personagens como Donald Rumsfeld aquando da visita deste último ao nosso país.
    Paulo Portas apresenta de si próprio uma imagem perigosamente próxima do arquétipo dos seus inimigos políticos. Quem lhe adivinharia as tendências para o revisionismo histórico e para o culto da personalidade quando, nas revoltadas páginas do “Independente”, ia destilando indignação e ódio contra os pecadilhos políticos da era cavaquista? E que dizer então da coincidência destas práticas de promoção pessoal com as do regime estalinista, permanentemente zurzido pelo líder do PP, mesmo passadas décadas sobre o fim do mesmo?
    Para além desta inauguração e dos discursos de circunstância, ficou clara a estratégia de Paulo Portas. Pretende manter o seu poder dentro do Governo, por força de uma coligação que lhe permite dispor de um protagonismo e influência política que não corresponde nem de perto nem de longe ao peso político do seu partido na sociedade portuguesa.
    Esta situação perverte a representatividade democrática no Governo da nação e esvazia o futuro político do CDS-PP, através de uma abdicação permanente das suas bandeiras históricas em matérias como o federalismo, a regionalização, o aborto, etc.
    O CDS-PP está a pagar um preço demasiadamente elevado - o seu próprio futuro enquanto partido independente - pela ambição pessoal de Paulo Portas.

    Causas e Consequências

    As inqualificáveis agressões a que foi submetido um deputado da República não podem ser ignoradas nas suas causas mais profundas, sob pena de, num futuro próximo, se virem a repetir.
    Em Felgueiras foram expostas à evidência as graves debilidades de que ainda enferma a nossa cultura democrática.
    A “sociedade da informação”, erroneamente percepcionada pela classe política como generalizada no Portugal hodierno, apresenta ainda vastas zonas de exclusão de que a enraivecida mole humana felgueirense é um exemplo. O “país a duas velocidades” é uma realidade e tentar escondê-la terá consequências ainda mais gravosas do que combatê-la.
    A classe política não pode ignorar este dramático alerta para o défice cultural que ainda grassa em algumas zonas do país (e não apenas no interior!). As políticas e os instrumentos de que dispõe neste domínio (formação e informação) deverão ser monitorizados na sua eficácia e eficiência e, se necessário, reformulados sem demora.
    Se a apropriação errónea de conceitos relativos aos direitos, liberdades e garantias do regime democrático é imputável a alguma iliteracia das populações, não é menos verdade que a classe política tem também responsabilidades às quais não se pode eximir e que são exclusivamente suas. A defesa reiterada de posições corporativistas - não poucas vezes ao arrepio dos padrões morais, éticos e deontológicos que deveriam pautar a sua actividade - conduziu ao progressivo descrédito da classe e constitui uma causa próxima para os selváticos ataques ao deputado Francisco Assis.
    Estão também agora à vista os efeitos de certa política, eivada de demagogia, de populismo desbragado e de apelos sistemáticos aos sentimentos mais elementares das populações.
    Este caldo de cultura potencia a alienação das massas e tem, por isso, consequências imprevisíveis.
    O país profundo existe e, entre manifestações de indignação e discursos de boas intenções, continua a afundar-se inexoravelmente perante o atavismo geral.
    O vilipêndio das instituições democráticas, já severamente fragilizadas por outros escândalos, não pode ficar impune.
    O regime democrático está ameaçado e já levou as primeiras estaladas. Continuará a representar o papel do pai demissionário por muito mais tempo?

    E as vítimas da "Guerra" de Joanesburgo?

    Não haja equívocos, a Cimeira da Terra em Joanesburgo foi um fracasso global e provocou um número incomensuravelmente maior de vítimas do que a mais recente sequela da Guerra do Golfo. Em Joanesburgo as expectativas iniciais eram propositadamente baixíssimas, com vista à divulgação de uma imagem de sucesso relativo no final da Cimeira. A ardilosa estratégia não apagou, contudo, as sentenças de morte que ali foram passadas a 13 milhões de seres humanos do Lesotho, Malawi, Moçambique, Swazilândia, Zâmbia e Zimbabwe, que lutam diariamente contra a fome e que não puderam encontrar em Joanesburgo um aliado no seu combate pela sobrevivência. O manto da ignomínia cobriu de novo as mais altas figuras mundiais e foi dado o mote para nova investida anti-globalização. Já não há operações cosméticas que mascarem o lodaçal fétido da diplomacia internacional.
    A reacção - também ela cada vez mais global - contra a globalização, não combate um conceito que poderia até ser interpretado de uma forma ambiental e socialmente equilibrada (ex.: taxa Tobin), mas antes uma bem urdida teia de interesses norte-americanos e europeus que, em prejuízo dos direitos mais elementares de uma porção significativa da população mundial, prosseguem a sua marcha triunfal sobre as economias depauperadas dos países sub-desenvolvidos e em vias de desenvolvimento.
    As metas que enformaram o plano de acção desta Cimeira eram de tal forma pouco ambiciosas que os próprios agentes económicos mais perversamente implicados nesta cruzada desenfreada pelo triunfo do capital global devem estar agradavelmente surpreendidos com os resultados obtidos. O “sucesso” despudoradamente apregoado por alguns líderes mundiais só serve uma minoria depredatória, amoral e geracionalmente egoísta que compromete seriamente o futuro da humanidade, sacrificando-a no altar da globalização neoliberal.
    Esta é a globalização das injustiças sociais e da exploração irracional dos recursos. Com ela se vai cavando diligentemente o fosso entre ricos e pobres, entre globalizantes e globalizados. Uma ameaça, porém, é global e terrível, afectando indistintamente uns e outros – a destruição progressiva dos ecossistemas e a veloz aproximação do ponto de ruptura a que chamamos insustentabilidade!

    sábado, 27 de setembro de 2003

    Na ressaca da Gymnaestrada

    Curioso fenómeno lusitano. Cada vez que organizamos um evento internacional cá no bairro (campeonatos de futebol, regatas, cimeiras internacionais, meetings de atletismo, exposições universais, conferências mundiais de urologia, torneios de badminton e afins) sou invariável e prontamente elucidado sobre as estatísticas brutais que lhe estão associadas. É sempre o maior acontecimento desportivo/médico/cultural/político/musical/científico/social (riscar o que não interessa) do ano, com transmissão para uma quantidade astronómica de telespectadores espalhados por todo o mundo, ávidos de saber os últimos desenvolvimentos a partir de Lisboa (sim, são quase sempre na capital e não, não é coincidência).
    O que ainda ninguém me conseguiu explicar foi por que carga de água é que quando o mesmo evento decorre lá na estranja não há nenhum canal português a transmitir, não há nenhuma referência nos jornais e ninguém sabe sequer que naquele ano também se realizou uma edição. Será que nesses anos não é tão importante?
    Quem é o paciente leitor destes disparates que sabe onde decorreu a última Gymnaestrada? E a última America’s Cup?

    Teorias da conspiração

    A meio da leitura de uma rebuscada teoria conspirativa sobre os ataques de 11 de Setembro fui assaltado pela seguinte dúvida: Porque é que os imaginativos autores destas teorias nos forçam desde a primeira página a desconfiar de todos os dados oficiais/governamentais e na página seguinte nos induzem sem pudor a acreditar cegamente nos seus dados, que são confirmados apenas por eles próprios? Será excesso de autoconfiança? Ou será um atestado de menoridade passado aos leitores? Aqui fica a dúvida.

    Futebol fora das quatro linhas

    Todos os anos se repete a procissão diária de falsas notícias. Mas a pré-época é sempre a que assegura maior felicidade aos adeptos. As esperanças são reforçadas a cada nova contratação e, apesar de ainda ninguém ter ganho nada, também ninguém perdeu. Em alguns clubes já é motivo de festejo.

    Relógio de pulso

    Usar relógio é estar voluntariamente algemado à marcha impiedosa do tempo. Absolutamente insuportável para qualquer pulso com o mínimo sentido de liberdade!

    Incêndios

    Flagrante contraste entre um país em chamas e outro a banhos...
    Quando devíamos estar a aperfeiçoar os planos de resposta às cheias e inundações, estendemos sobre a terra queimada as várias possibilidades de combater e prevenir incêndios... Portugal continua igual a si próprio.
    Ao contrário de anos anteriores, a trágica dimensão dos últimos fogos provocou um debate alargado na sociedade que, espera-se, irá frutificar em medidas efectivas para prevenir e combater este flagelo sazonal.
    É inadmissível que os primeiros incêndios do Verão continuem a ser encarados com a mesma naturalidade da abertura da época de caça!