quarta-feira, 24 de dezembro de 2003

O Porto é só...

O Porto é só uma certa maneira de me refugiar na tarde,
forrar-me de silêncio
e procurar trazer à tona algumas palavras
sem outro fito
que não seja o de opor ao corpo espesso destes muros
a insurreição do olhar.

O Porto é só esta atenção empenhada
em escutar os passos dos velhos
que a certas horas atravessam a rua
para passarem os dias no café em frente
os olhos vazios,
as lágrimas das crianças de S. Vítor
correndo nos sulcos da sua melancolia.

O Porto é só a pequena praça
onde há tantos anos aprendo metodicamente
a ser árvore
procurando assim parecer-me com a terra obscura
do meu próprio rosto.

Desentendido de ansiedade
olho na palma da mão
os resíduos da juventude
e dessa paixão sem regra
deixarei aqui uma pétala
pois aqui por ser tão branca.

(Eugénio de Andrade)


Este era o poema que faltava num blogue com paternidade Portuense. Agora que está definido o espaço afectivo que enforma estas linhas, parto para a ceia de Natal com a certeza de já ter aberto um presente.

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