segunda-feira, 26 de janeiro de 2004

Porque o amor fica sempre aquém da sua própria morte

O enorme defeito nos falhados - e a enorme vantagem nos bem sucedidos - é que os amores nunca morrem. Mesmo quando achamos que sim. Na verdade, limitamo-nos a esquecê-los de forma mais ou menos voluntária, mais ou menos consciente.
Alguns, esforçamo-nos de tal maneira para esquecer que acabamos por nos convencer de que morreram. Outros, mais desejados, adormecem-nos nos braços enquanto os embalamos e nunca mais nos lembramos de os acordar.

domingo, 18 de janeiro de 2004

Portugal e a cauda da Europa – um namoro recente ou uma paixão ancestral?

A decisão do alargamento a leste da União Europeia suscitou entre os portugueses um conjunto de inquietações. Porém, uma das poucas “vantagens” identificáveis neste alargamento parece consensual – Portugal deixa, de uma assentada, a incómoda posição da cauda europeia e ainda por cima sem mexer uma palha.
Ou seja, não interessa que mantenhamos o desempenho medíocre de sempre em quase todos os indicadores económicos, ambientais, culturais e sociais, desde que vão aderindo ao clube europeu novos países com desempenhos ainda piores do que o nosso. Delirante!
Naturalmente, qualquer português minimamente esclarecido consegue desde já adivinhar o rápido regresso de Portugal à caudal posição. O mesmo adivinhou Eça que, em Janeiro de 1872, já ia dizendo que “nós estamos num estado comparável somente à Grécia: mesma pobreza, mesma indignidade política, mesma trapalhada económica, mesmo abaixamento dos caracteres, mesma decadência do espírito. Nos livros estrangeiros, nas revistas, quando se quer falar de um país caótico e que pela sua decadência progressiva poderá vir a ser riscado do mapa da Europa – citam-se, a par, a Grécia e Portugal.”
Nem ele imaginaria que a Grécia já há muito nos ultrapassou e que os países agora arregimentados para esta Europa o farão em muito pouco tempo.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2004

Já passaram 12 anos e cada vez estamos mais na mesma

Coimbra, 4 de Junho de 1992 - Conferência internacional no Rio de Janeiro para defesa do ambiente físico. Do metafísico já ninguém cuida. E, do outro, mais valia que os delegados, em vez de discursos sujos, lavassem a hipocrisia nas águas ainda lustrais de Guanabara. O mundo está irremediavelmente perdido, porque é incorrigível a voracidade capitalista e a nossa obstinação consumista. Queremos, queremos, queremos. E os abnegados senhores do progresso fabricam, fabricam. Saturam, diligentes, os mercados do útil e do inútil. Atravancam o planeta das suas sedutoras mercadorias. Para tanto, esventram-no, derrubam-lhe as florestas, empestam-lhe os rios, os mares e os ares. Poucos dos que assistem ao colóquio estão ali de boa fé ou em nome dela. Quando a farsa terminar, nenhum petroleiro vai recolher ao estaleiro, nenhum alto forno deixará de arder, nenhum motor de rodar.
Contemporâneos passivos de uma civilização técnica e industrial, que nos serve o necessário poluído e o supérfluo esterilizado, já nem sequer nos indignamos de a ver acabar assim, pletórica e podre. Sornamente, vamos vegetando intoxicados, na esperança secreta de que o dilúvio não acontecerá na nossa vida, e, se acontecer, haverá sempre na Arca de salvação lugar para mais um.

(Miguel Torga, "DIÁRIO XVI")

terça-feira, 13 de janeiro de 2004

Porque

Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.

(Sophia de Mello Breyner Andresen, "Mar Novo", 1958)

domingo, 11 de janeiro de 2004

Há "iludências" que "aparudem"

Recomendam-me a visita a um blogue cujo título me lembra imediatamente um infeliz pregão mouricida muito em voga há poucos anos atrás. Acto contínuo, imagino um "blogue-trincheira" de irredutíveis nortenhos a destilar ódios coevos contra a capital. Ainda assim, arrisco uma visita e a surpresa não podia ser maior.
Afinal trata-se, nas palavras dos próprios, de um "Observatório da política de libertinagem de Pedro Santana Lopes enquanto Presidente da C. M. de Lisboa"...
Seguindo a mesma linha editorial destes colegas, urge a criação do blogue "Porto A Arder".

Avanços

A assinatura pela Turquia do protocolo número 13 da Convenção Europeia de Direitos Humanos relativo à abolição da pena de morte "em todas as circunstâncias", mesmo por "actos cometidos em tempo de guerra ou de perigo iminente de guerra" configura um avanço civilizacional que, apesar de pecar por tardio e ser motivado por interesses de economia política, merece o aplauso de um país pioneiro no abolicionismo como foi Portugal.
A inqualificável desumanidade da pena de morte apenas pode encontrar eco em regimes fundados em concepções perversas do valor supremo da vida humana. Esta autêntica aberração civilizacional que coloca ao mesmo nível de vergonha realidades (aparentemente) tão distintas quanto a norte-americana, a chinesa ou a cubana, constitui ainda um crime chocante à luz do ordenamento jurídico de qualquer Estado realmente civilizado, por não permitir aos condenados o exercício efectivo do direito de defesa, incluindo o direito de recurso.
O respeito absoluto pela pessoa humana é o primeiro postulado do direito, ao qual também os Estados se encontram submetidos. Nos países onde tal não acontece, o direito constitui apenas um instrumento execrável de terror, utilizado na legitimação dos mais hediondos crimes de Estado.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2004

"Life imitating Blog"

A descoberta recente dos meus dotes premonitórios força-me a uma pausa deliberada na escrita de "posts".
No fundo, a questão resume-se a um profundo receio de que a realidade volte a imitar aquilo que escrevo.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2004

Portuense assume-se como concorrente directo da astróloga Maya!

O meu "post" de 31 de Dezembro queria ser irónico e acabou por ser tragicamente premonitório. Apenas errei na troca de um ex-PR por um PR em exercício e fui longe de mais no envolvimento de um ex-PM.
Algo me diz que, tal como na política, também na blogosfera não é vantajoso ter razão antes de tempo.
Para não irritar ainda mais o senhor Procurador Geral da República, afirmo solenemente que as minhas afirmações de 31 de Dezembro não configuram nenhuma violação do segredo de justiça. Trata-se apenas de um inocente "exercício divinatório sobre o segredo de justiça".
Fazemos orçamentos grátis, vamos a casa!